sábado, 30 de agosto de 2008

La Fontañera


O fim de tarde apresentava-se convidativo e belo, a temperatura era agradável e o carro embalava-me numa dormência confortável. Olhando pela janela os maciços graníticos do Alto Alentejo pareciam me cada vez mais surpreendentes e antigos. Aqueles majestosos anciões de outras eras vigiavam a paisagem de forma calma mas atenta, como que protegendo segredos face à modernidade a qual até naquelas paragens se poderia impor.

O caminho era de retorno, na nossa mente estava a ideia de um dia cumprido com pouco mais a descobrir. Voltávamos então de Valência de Alcântara. A cidade tinha nos deixado um pouco desconfortáveis. Depois de percorridas as suas ruas só o testemunho de uma velha porta de muralha e de algumas igrejas maltratadas pareciam familiares. Eram tristes aqueles murmúrios, tristes como que destinados a perderem-se nos fios do tempo. A história parecia maculada, embrenhada numa agonia ímpar. O maltratar físico transportava-se para a nossa mente em farrapos difusos. Era assim que dentro do carro a consciência disso mesmo contrastava com a paisagem.

De repente os gigantes de pedra abriram-nos um pequeno caminho, além de secundário parecia que se iria perder na natureza que o rodeava. Era suspeito, sujo e até deslocado. No entanto seguimo-lo, teria de se esperar mais que isso, talvez as pedras que nos iam guiando estivessem dispostas a dar-nos uma pequena miragem de algo que testemunhavam.

A paisagem já por si só única foi se caracterizando e avolumando cada vez mais. Queria certamente mostrar-nos que aquele era um rasgo seu de extraordinário esplendor. Distraídos por aqueles montes e arbustos, por aquela aura ancestral o percurso levava-nos cada vez mais de volta à fronteira, cada vez mais… apesar de ela teimar em aparecer.

Embrulhados já contemplativamente nos momentos que íamos vivendo tudo se revelava quase um sonho, um sonho o qual já nada tinha de humano. Tínhamo-nos fundido com o cenário decerto. Foi então que, para quebrar esta ilusão, vimos uma placa anunciando o fim daquele percurso místico.

Só aí nos apercebemos de que aquele trilho era também um portal, uma antecâmara necessária à percepção do que se seguiria. A placa, seguida de diversas casas, dizia “La Fontañera”. Estava acompanhada pelo marco de fronteira significando o fim anunciado da Portugalidade. No entanto, ela teimava em seguir sempre um pouco mais além.

Penetrando naquela realidade, os nossos passos ténues ressoavam no asfalto timidamente, à nossa volta vivia-se um silêncio algo incomum. Pouco a pouco os murmúrios da pequena aldeia começavam a chegar aos nossos ouvidos. Era o testemunho de que aquelas placas, nada mais senão matéria, eram algo de artificial, algo de desprezível perante os sons e a vida que se iam abrindo aos nossos sentidos.

As palavras que bebíamos eram português, um português que revelava uma faceta escondida e enternecedora do que é a nossa existência Pátria. Tudo se dissolveu, não havia nem Lisboa nem Madrid para definir limites, não se sentia a pressão do sistema educativo uniformizador espanhol, sempre atento a destruir a diferença. Vivia-se só a verdade, existia pura e simplesmente um Portugal transcendental que atravessava as eras e a própria carne mostrando-nos aquilo que somos. E, ao que em última análise, devemos ser fiéis.

Diogo Santos

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