domingo, 21 de setembro de 2008

A descaracterização do pós-modernismo juvenil japonês




Quando um ocidental pensa no Japão tradicional diversas imagens afluem à sua imaginação. Entre elas contam-se cerejeiras resplandecentes, jardins calmos, pessoas contidas e cientes da sua existência comunitárias, e outras mais. Os conceitos donde nascem estas noções práticas podem-se referir como aquilo que deu ao Japão a continuidade da sua modernidade.

De facto, a coesão comunitária, um esteticismo existencial único e a noção do valor do trabalho, mesmo não sendo constatadas tão ancestralmente quanto isso (a primeira e a terceira são respectivamente heranças nascidas quer na época Tokugawa quer no período Meiji) deram ao Japão a capacidade de se projectar no século vinte como uma das nações mais desenvolvidas do mundo. Problemas como a criminalidade urbana, descaracterização cultural e o materialismo extremo, ligados à própria noção ocidental de modernidade como inevitabilidades, ficaram muito aquém do que seria esperado. Isto foi motivo de orgulho para o povo japonês. Aliás, apesar de hoje em dia esse fosso ter diminuído, o Japão continua impreterivelmente a ser um país no qual essas questões não estão tão agudizadas como em outras paragens.

No entanto, é inegável que nas grandes cidades começam a surgir exponencialmente realidades que eram descartadas como externas ao padrão da modernidade japonesa. Convém então perguntar, o que mudou nos últimos anos no Japão para que esta deterioração se torna cada vez mais acutilante?

A resposta não é simples, e muito menos é unilateral. Para a confirmar, claro, é preciso um estudo empírico apropriado. No entanto penso ter segurança para avançar com uma avaliação teórica da questão.

A norma do desenvolvimento japonês mudou substancialmente nos anos noventa, ou melhor, começou a ter repercussões preocupantes na sociedade civil. O trabalho que longas horas ocupava os chefes de família e cada vez mais também se fazia notar nas mães, acabou por fragilizar a unidade familiar. Em consequência disso as primeiras brechas na coesão comunitária fizeram-se notar.

Há que ter em conta nas consequências deste aumento da fragilidade dos lares que as vítimas principais são os filhos da classe média nas grandes cidades. “Libertos” da fonte de regras e formação cívica que era a existência familiar procuraram um modelo noutras paragens. Ou seja, foram lançados na sociedade sem a mínima noção de valores ou princípios que a regiam, com uma auto-estima por afirmar. O amor dos pais foi substituído pelo dinheiro que lhes podiam fornecer, como compensação inócua da sua ausência.

É neste ponto que se poderia referir: “Muito bem, mesmo sendo isso verdade poder-se-ia dizer que os padrões educacionais na escola e nos tecidos sociais comunitários mantiveram-se. Não seria suficiente para arrasar tudo o que o país tinha como garantia colectiva.

Isto não é totalmente correcto, pode-se dizer que a manutenção das estruturas educativas com o seu valor formativo adiou a destruição do que era a antiga concepção de sociedade nestes indivíduos. Apesar de se sentirem ligados por instituições como a escola ao mundo adulto, sendo estas o espelho dos valores e hábitos vigentes, os jovens têm tendência a identificar-se principalmente entre si.

Aqui percebe-se o porquê do alargar progressivo do problema inicial. A ocidentalização no que toca à sociedade pós moderna japonesa era (e é) cavalgante, cada vez mais se vivia o individualismo e consumismo ocidentais, sendo a única restrição aos mesmos os valores comunitários. Estando os pais ausentes, a formação juvenil orbitou de volta desta fascinante e colorida nova forma de afirmação colectiva. As pirâmides sociais foram-se desconstruindo e reorganizando, para além do mais a permissiva lei japonesa, pouco habituada a estas questões, respondia insuficientemente aos caos subsequente.

Fragilizado o comunitarismo original, a educação no lar, e com a exposição a uma existência desregrada com poucas barreiras legais os problemas sucederam-se. Prostituição de menores, discriminação económica nos jovens, uso de drogas, facilitismo sexual, destruição da noção de dever e do mérito escolar entre outros.

Estatuo a hipótese, então, de as duas causas principais terem repercussão conjunta como a origem dos problemas correntes no país. É certo que mesmo expostos ao consumo e à cultura “MTV” se os jovens tivessem um sistema de valores anterior estatuído não teriam tais comportamentos (como se pode constatar em cidades de médio tamanho no interior e costa do mar da China). Também é verdade que se esses estímulos não estivessem presentes mesmo a falta de existência comunitária não seria tão nefasta.

A questão central é a existência conjunta das duas circunstâncias. Claro que há outras razões que acentuam o problema, o crescimento das cidades tem sempre inerente um determinado nível de anonimato e alojam sempre pessoas com tendências diferentes da regra. Há que ter isso também em conta.

Como finalização pode-se dizer porém que nem tudo é mau, o anonimato social é também fonte de criatividade, algo que o Japão sempre tem tido falta. A espontaneidade individual fez de cidades como Tóquio um pólo atractivo para fãs das subculturas muito próprias, que resultaram desta existência livre e desregrada. É humano sentir-se atraído a toda essa ebulição existencial. Não se pode, mesmo assim, nunca esquecer, qual é o preço que se está a pagar para ter o fulgor desta nova existência, ver se há ou não coisas que não deveriam ser esquecidas a sê-lo.

A moderação tradicional da existência japonesa está a ser posta em causa. Com ela a validade colectiva que o país se orgulha. É disso que se trata. E a classe política terá de ter em atenção estas vicissitudes ou perderá a noção do povo que está a governar, talvez se estivesse menos ocupada “internamente” pudesse dar mais atenção a este género de questões.

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