terça-feira, 5 de agosto de 2008

Hades - ...Again Shall Be

Hades - ...Again Shall Be

Introdução
A infame e bem conhecida vaga de Black Metal norueguês que nasceu nos anos 80 e explodiu nos anos 90 permanece como um dos fenómenos mais intrigantes, surpreendentes e polémicos (com especial ênfase para este último aspecto) dentro do universo alargado em que se insere.
Pelo meio de todos os acontecimentos mediáticos (e fora do contexto musical) surgiram projectos e bandas de importância ímpar para o género, como é o caso de Mayhem, Burzum, Emperor, Immortal, Darkthrone, Thorns, etc. A inclusão de Hades neste ilustre lote surge um pouco mais tarde (a banda forma-se em 1992, numa altura em que o movimento já ia numa fase bastante adiantada), mas isso não impediu a associação de Hades em relação à cena norueguesa, embora os principais trabalhos (incluindo o que está em análise) - tanto enquanto Hades como depois enquanto Hades Almighty uma vez que a banda mudou o nome em 1999 - datam de anos em que o movimento já tinha ultrapassado o seu apogeu.

Na verdade, ...Again Shall Be é lançado em 1994, já depois de alguns acontecimentos marcantes perpetuados por alguns membros famosos de bandas de Black Metal: o suicídio de Dead em 1991, o assassínio de Euronymous por Varg em 1993 ou as inúmeras igrejas queimadas.
Este último aspecto assume especial importância na carreira (fora dos limites musicais, claro) da banda aqui em questão, uma vez que um dos seus membros fundadores, Jørn Inge Tunsberg, foi condenado (juntamente com Varg Vikernes) por fogo posto a uma igreja da cidade norueguesa de Bergen em 1992, o que lhe valeu uma condenação no ano a seguir.

Não deixa de ser curioso o facto de Hades ser uma banda associada com alguns dos actos mais mediatizados da cena norueguesa, mas por outro lado nunca ter tido um reconhecimento tão grande como algumas das bandas de lá saídas. Apenas o factor temporal (como já referido, a banda forma-se numa fase já avançada do "movimento") pode explicar este aspecto em relação à banda de Bergen, porque tanto a nível de qualidade musical como de criatividade, Hades (e claro, o álbum aqui a ser revisto) ombreia com as melhores propostas de Black Metal norueguês da altura.



Alinhamento
01 - Pagan Triumph
02 - Hecate (Queen Of Hades)
03 - The Ecstacy Of An Astral Journey
04 - An Oath Sworn In Bjorgvin
05 - ...Again It Shall Be
06 - The Spirit Of An Ancient Past
07 - Unholy Congregation
08 - Glorious Again The Northland Shall Become
09 - Be-Witched
10 - In The Moonless Sky

Ano 1994

Editora Full Moon Productions

Faixa Favorita 03 - The Ecstacy Of An Astral Journey

Género Black/Viking Metal

País Noruega

Banda
Janto Garmanslund - Baixo, Teclados, Voz
Jørn Inge Tunsberg - Guitarra, Teclados
Stig Hagenes - Guitarra
Remi - Bateria



Review
A música de Hades - para além da qualidade intrínseca da mesma - poderia perfeitamente ser um objecto de estudo no que diz respeito a criar algo bastante surpreendente, pegando na conjuntura que rodeava a banda e nas influências passadas, de forma bastante improvável e ter um belo resultado, sem soar pouco coeso ou demasiadamente colado ao que estava em seu redor.
Isto sucede porque genericamente podemos classificar Hades, como uma banda de Viking Metal (por muito que o rótulo seja tradicionalmente pouco dissociado do Folk Metal, mas até neste campo a banda consegue mover-se com mestria) sendo que ao mesmo tempo a banda também bebe naturalmente daquilo que se passava na Noruega a meio dos anos 90, pelo que são notórias as influências do Black Metal mais gélido e que hoje é visto como o padrão para todo o género, dada a influência das bandas norueguesas de Black Metal mais famosas.

O curioso e único em Hades (e com ênfase considerável em ...Again Shall Be) vem da forma como as influências são mescladas. Tanto o Viking Metal como o som saído da Noruega nos anos 90 têm primordial e vital inspiração: Bathory. Por um lado, álbuns como Blood Fire Death, Hammerheart ou Twilight Of The Gods estão na base do que se chama hoje Viking Metal. Por outro lado, trabalhos como o homónimo Bathory ou Under The Sign Of The Black Mark iluminaram (ou escureceram) o caminho para o que viria a ser o Black Metal moderno tendo grande impacto (até a nível da morfologia da criação musical) em compositores futuros como foi o caso de um tal Varg Vikernes...
Mais do que perceber o que está em pano de fundo para a criação deste ...Again Shall Be é importante compreender o seguinte: estando a banda inserida num "movimento" que absorve muito do que Quorthon fez nos seus primeiros álbuns, Hades escolhe uma via diferente (e temporalmente mais próxima, visto que a primeira fase Viking do projecto sueco é já no fim dos anos 80 e início da década de 90), absorvendo da influência óbvia, a parte que seria menos de esperar, sendo este aspecto uma das principais razões para a abordagem de Hades ser bastante única no contexto das bandas de Black Metal suas contemporâneas e conterrâneas.

Como toda a envolvência sugere o álbum apresenta-se como uma viagem ao terreno glaciar norueguês. Todo o trabalho está revestido de uma áurea gélida que remete para a imponência dos fiordes e para majestosidade das montanhas cobertas de gelo, dois aspectos que dominam a paisagem do país,
Há semelhança do que sucede com álbuns (In The Nightside Of The Eclipse, lançado também em 1994, surge como referência imediata) de várias das bandas que formavam o núcleo duro do "movimento" norueguês o ambiente do álbum transporta imediatamente o ouvinte para as paisagens descritas acima e que fazem parte do quotidiano dos membros das bandas nessa altura.
Além da recriação geográfica através da música, ...Again Shall Be é uma viagem histórica aos tempos da "Noruega" viking (evidentemente as aspas aludem ao facto do estado norueguês da altura ser substancialmente diferente daquele cimentado no século XX), com uma sonoridade épica, bélica e remanescente de todo o imaginário pagão que dominou o território "norueguês" a partir do século IX.

Todos os elementos do álbum são direccionados na tentativa de recriar uma ancestralidade épica, recorrendo frequentemente a passagens acústicas, riffs melódicos, tempos médios e acima de tudo a uma poderosa atmosfera (esta é de resto a característica que, sendo diferente em todas as bandas, mais define o Black Metal norueguês da altura) que conduz o álbum de forma grandiosa em quase todos os seus momentos.
O resultado é bastante homogéneo e o álbum tem grande coesão, muito em virtude do seu cariz épico e atmosférico que dão uma ideia de perseverança quase bélica a toda a experiência sonora. No entanto, o facto do efeito geral ser bastante compacto não faz o álbum cair na monotonia uma vez que se assiste a uma variedade de recursos considerável e ao desfilar de pequenos arranjos que vão criando uma abordagem diferente em cada faixa de ...Again Shall Be, embora sempre dentro de uma sonoridade épica e melódica. Estes últimos traços são uma constante durante todo o álbum enriquecendo especialmente a atmosfera geral e tornando o álbum numa experiência sempre bastante diversificada. A produção ajuda no discernimento destes pormenores, porque embora seja algo crua nalguns aspectos (nomeadamente na voz), no geral o som dos instrumentos é bom e tudo se ouve com clareza (inclusive o baixo). Este aspecto é essencial para a abordagem ao Black Metal que a banda tem, porque o cariz mais elaborado das composições da banda comparativamente ao que algumas bandas do género (inclusive da mesma altura deste álbum) assim o requer, caso contrário a atmosfera mais fantasiosa perder-se-ia consideravelmente.

Instrumentalmente o álbum é dominado pelas duas guitarras, pela bateria tendencialmente lenta mas dinâmica e pelos guturais agudos de Janto.
Em relação ao primeiro aspecto, as duas guitarras fazem um trabalho bastante apreciável no que diz respeito à melodia envolvente que todo o álbum apresenta. Os riffs são tradicionalmente melódicos e as progressões épicas são uma constante em quase todas as músicas. As introduções acústicas ou os momentos acústicos também estão presentes variadas vezes contribuindo em muito para o toque Viking já referido (e a inspiração para este pormenor é fácil de localizar, basta ouvir faixas como o The Lake de Bathory...). Este uso de guitarras acústicas resulta em pleno, nomeadamente numa das melhores faixas do álbum, Glorious Again The Northland Shall Become onde a dupla de guitarristas (com especial destaque para Jørn Tunsberg, o principal mentor da banda) está em grande destaque, quer com os já referenciados momentos acústicos, quer com alguns dos melhores momentos melódicos e poderosos (sem nunca aumentarem muito a velocidade) que o álbum tem para oferecer.

No capítulo rítmico, a bateria é praticamente sempre executada num tempo relativamente baixo, apresentando todavia um grande dinamismo. Os momentos rápidos não são muitos, mas quando surgem são precisos e frenéticos, em forma de castigo. Nalgumas faixas como em The Spirit Of An Ancient Past ou An Oath Sworn In Bjorgvin, os blastbeats estão perfeitamente colocados, sendo que a aceleração não retira a sensação de misticidade que paira sobre todo o álbum. Pelo contrário, os tempos mais rápidos estão ligados na perfeição às partes mais lentas e épicas que dominam a maioria do trabalho de Stig Hagenes em ...Again Shall Be. Na maioria das faixas assistimos a um trabalho de bateria que encaminha a música em ritmos vagarosos e com passos pesados, dando a ideia de uma sensação de uma jornada épica e dura por entre terras distantes no tempo e espaço. À semelhança do que sucede com o baixo é usado como um forma de acentuar a melodia através do uso de ritmos condizentes com a mesma, mais do que para serem instrumentos destacados na música. No entanto, isto não impede que o baixo seja bastante audível e razoavelmente interventivo, graças a uma distorção muito própria que confere à música um peso acrescido. Apesar de quase sempre só acompanhar as guitarras, há faixas em que o baixo surge como algo mais do que um complemento, sendo este aspecto particularmente notório em Hecate (Queen Of Hades) ou na faixa-título, quando Garmanslund, para além dos excelentes vocais, tem algumas linhas de baixo bastante interessantes e que devido à distorção pronunciada confere aos temas uma obscuridade ainda maior.

No que concerne aos vocais, temos um dos elementos que são mais característicos do Black Metal: guturais agudos e rasgados que, não obstante as semelhanças com bandas e projectos da mesma época (como Burzum a título de exemplo), conseguem ter uma originalidade e interesse individual considerável na medida em que o timbre (nos momentos de voz limpa) e a forma poderosa como Garmanslund vai expelindo a lírica bélica sobre o glorioso passado nórdico fazem com que o trabalho vocal seja sempre bastante interessante de acompanhar. A voz limpa é quase sempre apresentada através dos coros que ocasionalmente surgem nas músicas, como na introdução Pagan Triumph (que apesar de ser uma intro não é apenas uma pequena composição e mostra logo sinteticamente alguns dos moldes em que todo o álbum se baseia), mas também surge de forma mais individualizada em Be-Witched. No entanto, são os guturais que predominam, sendo uma das marcas mais características do álbum.

A presença dos teclados é curta e bastante limitada (excepto na última música que é praticamente toda ambiental), mas quando surgem ajudam a reforçar a atmosfera negra e obscura do trabalho, enriquecendo ao mesmo tempo a parte melódica, uma das particularidades do álbum.

...Again Shall Be é um álbum, que para além da sua qualidade sonora, consegue encaixar-se na perfeição num subgénero que por vezes acaba por ser contestado face a alguma falta de identidade. Distancia o Viking do Folk, na medida em que cria melodias épicas e poderosas através de um som atmosférico e sombrio, ao invés de recorrer a elementos mais característicos do folclore norueguês. É certo que a lírica remete para este último aspecto, mas instrumentalmente o álbum separa perfeitamente um subgénero de outro. Há de facto um som épico, mas é bastante mais negro do que o Folk costuma ser e é esse o sentimento geral que mais se acentua (devido ao uso de instrumentos tradicionais do folclore a recriar) ao contrário do que acontece no Folk Metal onde a ênfase vai tradicionalmente para a parte das sonoridades mais locais. Apesar, de ser discutível a existência de tal divisão dentro do Metal (devido ao facto da divisão ser muitas vezes feita só através das letras), em ...Again Shall Be a linha parece ser menos ténue entre Folk e Viking Metal.

Todavia, o álbum é acima de tudo um (exímio) trabalho de Black Metal (o que também acentua a divisão referida acima). As estruturas musicais e a complexidade de camadas de som está ao serviço da criação dum álbum tenebroso e gélido. Apesar dos elementos já referidos e que são exteriores ao género, o peso e a atmosfera são claramente de um álbum de Black Metal ainda que com um tom muito único. O som é epicamente refinado, mas cru e directo. As próprias melodias têm um tom apocalíptico e bélico bastante característico do BM.
É enquanto álbum de Black Metal que ...Again Shall Be se realiza completamente. Através da força que transmite e da sua capacidade de retractar sonoramente toda a ancestralidade em que a banda se inspirou para realizar a obra.

Conclusão
Quando se fala da cena norueguesa do final dos anos 80 e início dos anos 90, é preciso ter em conta que são muitos os álbuns de referência e ainda mais aqueles álbuns que são esquecidos, apesar de serem de elevado nível. ...Again Shall Be está na melhor tradição qualitativa dos álbuns de Black Metal norueguês da altura (apesar da sua abordagem diferente da maioria das bandas). Por ser num estilo que já estava cimentado por Bathory talvez não tenha o crédito que álbuns mais distantes da sonoridade praticada até então e que se tornaram em autênticos marcos do BM moderno. No entanto, isto não invalida que o primeiro álbum de Hades consiga ombrear com algumas das melhores criações saídas na altura por parte de bandas norueguesas... e a "concorrência" é bastante grande.

É admirável a forma como os jovens músicos de Hades se conseguem movimentar nas inúmeras influências que têm, criando um álbum essencial dentro do Viking Metal e paradigmático naquilo que a cena norueguesa tinha de melhor: pintar sonoramente a paisagem e história do país em questão.

PhiLiz

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