sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Xasthur - Nocturnal Poisoning

Xasthur - Nocturnal Poisoning

Introdução
Num género cujo dinamismo e mutação constantes não são tão notados como na realidade acontecem, Xasthur surge como uma inovação, não de um ponto de vista estrutural, mas como um extremar e numa toada de levar mais longe algo que já tinham de alguma forma, sido anteriormente fundado.

Na prática, projectos como Strid, Silencer (ambas as bandas de uma forma mais típica do estilo, embora com elementos distintos do que geralmente existe no BM, mas acima de tudo Mütiilation (antigo projecto das LLN e que tem direito a uma cover neste álbum, o que mostra a sua influência em Xasthur) já tinham nos seus lançamentos a partir do meio dos anos 90, materializado o que hoje se convenciona chamar Depressive Black Metal ou mais recentemente SDBM (Suicidal Depressive Black Metal), mas Scott Conner (nome pouco reconhecido, mas que é o verdadeiro nome por detrás de Malefic) levou o conceito aos limites da sua vertente mais violenta e sufocante.

Logo nos primeiros trabalhos compreende-se a estética negra e melancólica do projecto de Malefic, através de uma produção enterrada e desconexa, com influências claras da fase mais ambiental de Burzum. Aliás, estaria longe de imaginar em 1996, um dos mais geniais compositores de Metal dos anos 90, quando lançou as bases para um "devaneio" estético dentro do BM. Falo claro de 'Filosofem', última demonstração extrema pelas mãos de Varg.
De um ponto de vista morfológico, Burzum é, inclusive, uma influência por demais evidente, uma vez que depois de Malefic abandonar a ideia de ter uma banda, concentrou-se apenas ele em Xasthur.

No entanto, Malefic vai (musical e conceptualmente) mais além, pois por detrás do projecto há um objectivo claro, uma ideia fixa e fomentar a extinção da raça humana, num impulso claramente misantrópico e que é inerente à própria pessoa do mentor do projecto.

Em 1999, e já como um projecto individual na sua totalidade, começam os primeiros split's, demos e EP's, lançando fortes indicações do que viria a ser lançado neste primeiro álbum, em 2002.
Em 'Nocturnal Poisoning', Xasthur confirma-se como um projecto extremo, onde a misantropia e a intenção clara de enterrar de enterrar em depressão as almas que se cruzem com a índole perturbadoramente depressiva de Xasthur, se tornam em algo magistralmente transposto numa (negra) obra-prima sonora.



Alinhamento
01 - In The Hate Of Battle
02 - Soul Abduction Ceremony
03 - A Gate Through Bloodstained Mirrors
04 - Black Imperial Blood
05 - Legion Of Sin And Necromancy
06 - A Walk Beyond Utter Blackness
07 - Nocturnal Poisoning
08 - Forgotten Depths Of Nowhere

Ano 2002

Editora Blood Fire Death

Faixa Favorita 01 - In The Hate Of Battle

Género (Depressive) Black Metal

País EUA

Banda
Malefic (Scott Conner) - Todos os instrumentos e voz.



Review
Uma das primeiras impressões que se tem de Xasthur é o carácter perturbante das músicas, quando absorvidas no seu total desespero e melancolia. Não falo numa tentativa de ouvir a banda como se de uma banda de (Black) Metal mais típico se tratasse, mas sim de uma verdadeira forma de deixar a invasão sonora do projecto de Malefic penetrar na mente, com toda a sua intensidade. Ai, até mais do que tristeza, misantropia, desolação, sentimentos depressivos e suicidas, temos um vazio perturbador, algo pior que a negatividade, simplesmente uma paisagem sonora monocromática, tão forte que inutiliza os sentidos e o pensamento.
Talvez este efeito de afastamento e palidez, seja provocado pela antítese que representa a existência de Xasthur, projecto fundado num dos mais agitados estados dos Estados Unidos. Quando se vive na Califórnia, como Scott Conner vive, os sentimentos negativos são uma ilha no meio das sensações antagónicas aqui presentes.

Tudo em Xasthur é pouco convencional. As estruturas das músicas (cinco das oito neste álbum a superar os sete minutos de duração) são muito diferentes do habitual, mesmo em relação ao BM, com várias variações de ritmo constantes, um forte uso de teclados e sobreposição de guitarras. A produção é enterrada e crua, mas sempre deixando ouvir com clareza os elementos presentes, criando assim uma atmosfera intensa e sufocante, factor este que é marca distinta de Xasthur. Aliás, quando se fala numa produção adequada à intencionalidade do álbum, 'Nocturnal Poisoning' adequa-se na perfeição. Uma produção demasiado límpida e cristalina tiraria parte do sentimento de distância e vazio que se prolonga durante todas as faixas, além de que se perderia grande parte da atmosfera nas músicas. É, portanto, a produção adequada para o efeito desejado e neste aspecto tem que se salientar o brilhantismo de Scott Conner, sobretudo em relação ao volume e momento em que cada elemento (particularmente voz, guitarras e teclados) surge nas músicas.

Falando dos elementos principais neste álbum de estreia, os teclados são provavelmente o instrumento mais distinto em todo o álbum. Existe um forte uso de sintetizadores para criar uma atmosfera intensa, ora melancólica, ora caótica, ora simplesmente triste. Aliás, musicalmente falando, será talvez o único instrumento com momentos mais complexos (a beleza de Xasthur está em muito associada ao minimalismo do projecto), muitas vezes surgindo apenas como pequenos lamentos, numa fúria caótica e desordenada, ou simplesmente extraordinariamente melancólicos. Os momentos criados pelos sintetizadores (falo no plural, porque muitas vezes são vários que são ouvidos durante o álbum) são muito belos, mas ao mesmo tempo de uma melancolia e desolação extremas. São como que a "outra voz" nas músicas, criando uma atmosfera densa e negra que caracteriza o álbum e até o próprio projecto em si (distingui-o claramente de outras bandas do género e que se colaram, com melhores ou piores resultados, ao conceito de Xasthur).
No entanto, não se espere teclados com um elevado cariz épico (são-no até certo ponto, mas numa interpretação muito própria de Malefic) e integrados num conceito de beleza comum ou tão pouco como são utilizados pela maioria das bandas do estilo. São por vezes os elementos mais demonstrativos de toda a dolorosa raiva que inunda o trabalho, contrastando com a sua habitual função puramente atmosférica (que, como já referi, também a tem) e transcendendo-se para uma angustiante beleza, onde a solidão reina e tudo surge como estando no eterno sofrimento.

Por seu turno, as guitarras têm um papel menos evidente que os teclados. São executadas com vários riffs repetidos de forma exaustiva, extremamente distorcidas e muitas vezes sobrepostas, formando o som "enterrado" que se ouve em todo o álbum. É de notar, no entanto, que à semelhança dos teclados, também é muitas vezes o elemento a dar uma áurea depressiva às músicas.
O baixo não é muito audível (o que não é novidade no estilo e sobretudo compreende-se pelo objectivo que Xasthur encerra) e quando é ouvido está geralmente integrado de forma simples nas faixas.
No que diz respeito, à bateria, esta é tocada por uma "drum machine", pelo que não há muito a dizer. Marca a passagem de ritmos de forma mais acentuada e de forma exacta, mas não representa um elemento distinto no álbum, o que tal como o baixo não é novidade e não é de forma alguma negativo, pois o objectivo do álbum não é focar estes elementos individualmente, mas sim torná-los parte de um todo, em si genial.

Chegamos por fim à voz. E falamos aqui no mais inumano elemento do álbum. Os vocais de Malefic, além de bastante enterrados na mistura final, encerram em si o objectivo principal do álbum: um hino ao suicídio, através da dor, melancolia, depressão, ódio, raiva e negatividade em geral. São guturais rasgantes (a lembrar os de Varg nos primórdios mas ainda mais arrepiantes), autênticos calafrios na espinha devido à sua grotesca beleza. As vocalizações não são parte constante das faixas, mas quando surgem, são momentos incríveis e que completam ainda mais o álbum, tornando-o ainda numa maior obra-prima do que já seria, caso fosse puramente instrumental. Aliás, a voz de Malefic é algo incrível de ouvir, seja em projectos tão bizarros como Sunn O))) ou juntando-se a membros de Nachtmystium para interpretar um tema do álbum de Twilight, numa das suas raras incursões ao vivo

O álbum tem uma duração invulgar para um lançamento do género, ultrapassando os setenta e nove minutos, apesar de apenas serem oito músicas. Tal também se entende, pois é suposto ser ouvido como um todo. O que se compreende ainda mais do que o habitual em álbuns longos porque a variedade, entre e no seio de cada música, é muito grande e quando ouvido com atenção (repito, não é um álbum fácil de entender, nem de audição leve) prende o ouvinte pelo mundo distorcido criado por Malefic.
É possível destacar momentos de magistral negritude, mas se não ouvido como um todo, perde-se boa parte da magia de 'Nocturnal Poisoning'.

Falo logo da abertura, In The Hate Of Battle, com variações de ritmo frequentes e alguns dos mais agonizantes riffs do álbum. As vocalizações são, como em todo o álbum, tenebrosas, tornando o primeiro impacto do álbum, uma faixa representativa do trabalho, mas igualmente num hino de Black Metal depressivo, como só Xasthur pode produzir. Liricamente, o projecto é imperceptível sem as letras ao lado (e mesmo assim é complicado), mas está em perfeita consonância com a música a deambular entre os temas suicidas, desesperantes e/ou místicos. Neste caso, prende-se com o puro ódio:

Hatred bled onto the soul
With a fury to kill
Killed brethren
Without respect for lives unholy
A hatred possessing my soul
With a fury to kill


A homenagem a Mütiilation com Black Imperial Blood mostra bem uma das influências da banda e apesar de estar fiel ao original, é uma interpretação bem "xasthuriana" de uma das grandes faixas produzidas por Meyhna'ch no enorme 'Vampires Of Black Imperial Blood'.

Por fim, destacar a última música, apenas com sintetizadores, fazendo lembrar muito 'Hliðskjálf'. Forgotten Depths Of Nowhere faz jus ao nome e em jeito de despedida, lembra uma marcha fúnebre, onde já nem a dor ou tristeza têm lugar, simplesmente o vazio...

Pouco mais há a dizer, senão que 'Nocturnal Poisoning' é uma autêntica opus misantrópica e suicida, uma viagem pela dimensão conturbada criada por Malefic, dimensão essa onde a agonia sufocante e a desolação eterna formam paisagens repetidas indefinidamente.

Conclusão
Xasthur é um projecto único, de uma mente única e pessoalmente, todo o conceito do projecto me diz muito. Depois do álbum de estreia lançou outras grandes obras. No entanto, a nível de intensidade, talvez nunca tenha igualado 'Nocturnal Poisoning'. Não é fácil. Considero o álbum que agora acabo de descrever como um dos melhores alguma vez criados dentro do Black Metal (embora Xasthur "ultrapasse" não raras vezes, o estilo, musicalmente falando). Depois de Burzum não me lembro de algo tão fabuloso como o álbum de estreia de Xasthur.

Essencial para quem compreenda (ou queira compreender) os caminhos mais negros da mente humana, ou simplesmente para findar a própria existência.

PhiLiz

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Bizarra Locomotiva - Ódio

Bizarra Locomotiva - Ódio
Introdução
Os mais brilhantes representantes da cena mais pesada de Industrial em Portugal, ultrapassam qualquer contexto em que possam ser inseridos devido à pura vandalização sonora imprimida em qualquer dos seus trabalhos. Os Bizarra Locomotiva apresentam-se como o nome indica, máquina bizarra de contornos grotescos e assassinos para os ouvidos comuns. Com uma frenética energia em estúdio, os Bizarra atingem toda a sua potencialidade ao vivo, com espectáculos absolutamente arrebatadores, onde cada sílaba é demonstração de puro ódio e fúria. Neste campo poucos os conseguirão igualar no nosso país.

Baseados no Industrial de características bem "metálicas", a banda de Rui Sidónio & Ca. apresenta-se acima de tudo como uma agressão. Nada em BL é belo, conforme, habitual... nada na mistura selvagem da banda está dentro dos padrões habituais (o facto de cantarem em Português tem um significado enorme, mas também representa uma quebra do que costuma ser a regra no género), formando uma simbiose de niilismo musical e pura brutalidade.

Ódio é um nome directo ao que a banda tenta transmitir esta proposta de 2004. Não se vislumbra nada bonito ou calmo... aqui tudo é grotesco... e é isso que torna BL tão espectacular.



Alinhamento
01 - Gárgula
02 - Buraco Negro
03 - Fantasma
04 - Desgraçado De Bordo
05 - O Frio
06 - Usina
07 - Pedinte
08 - Moscas
09 - Tráfico De Órgãos
10 - Coisa Morta
11 - Mordo
12 - Ódio
13 - O Regresso

Ano 2004

Editora MetroDiscos

Faixa Favorita 10 - Coisa Morta

Género Industrial

País Portugal

Banda
BJ - Máquinas
Miguel Fonseca - Guitarra
Rui Berton - Bateria
Rui Sidónio - Voz



Review
Ódio apresenta-se em primeiro lugar como um álbum bastante mais directo e pesado do que o seu sucessor, o conceptual Homem Máquina, momento mais experimental da banda. Aliás, Ódio é o primeiro álbum "não-conceptual" desde Bestiário, o que representa por si só uma mudança.
No entanto, a maior mudança ocorrida no seio da banda, foi a saída do compositor principal e fundador, Armando Teixeira (que entre muitos projectos pertenceu aos... Da Weasel) que abandonou a banda após Homem Máquina.

As dúvidas em relação à direcção da banda eram muitas, mas assim que se ouve Rui Sidónio com uma acidez venenosa a proclamar: Ela riu-se para mim com aquela boca mortiça... - percebe-se que a brutalidade e a violência estão de volta e substituem o experimentalismo...

Apesar de mais violento, agressivo e acima de tudo com uma carga negativa megalómana (no melhor sentido), o álbum não se torna menos interessante ou fácil de digerir. As letras perturbantes, niilistas e bizarras de Rui Sidónio são um dos principais factores deste renovado poder da banda. Tudo o resto está em consonância: se a voz é gutural e as letras morféticas, toda a máquina é poderosa, maquiavélica e com o único objectivo de se tornar uma autêntica dilaceradora para todos os tímpanos com que se cruze.

A entrada do guitarrista Miguel Fonseca (conhecido de várias bandas nacionais, incluindo os grandes Thormenthor, nome grande do Death Metal português no início dos anos 90), pelas suas influências óbvias foi certamente um dos grandes responsáveis pelo regresso à brutalidade em doses industriais que a banda apresenta em Ódio. Com riffs inflamados, com uma melodia peculiar (ouça-se "O Frio"), o guitarrista assumiu ainda o papel de compositor principal e diga-se de passagem que este "regresso às origens" da banda deve-se em muito a este facto (o que não deixa de ser irónico devido a ser um membro novo).

Uma outra figura incontornável da banda é o responsável pela dita maquinaria, BJ, também responsável pelos "back vocals" e que assume uma dimensão ainda maior ao vivo, onde é uma figura "sui generis" devido à sua tresloucada presença em palco. Neste trabalho BJ, bem como a bateria de Rui Berton apresentam-se como o coração da máquina, contribuindo para todo o caos que invade o álbum.

Todo o álbum está pulverizado de metáforas infectadas que lidam com decadência, niilismo, situações de completo nojo e claro, ódio. As letras de Sidónio são directas e bem explícitas, mas no seu todo transmitem uma mensagem inteligentemente destrutiva. Não é poesia bela e profunda, é um liricismo rasgante e fracturante, onde o grotesco e o putrefacto assumem um papel preponderante na banda. Aliás, para além das letras, a é verdade que Bizarra Locomotiva não poderia ter um vocalista diferente. Em gutural e cuspindo agressão, Rui Sidónio é provavelmente a marca mais distinta da banda (mesmo ao vivo onde todos os cenários à volta da banda são peculiares) e que em Ódio é um dos responsáveis pelo sentimento que o nome do álbum indica.
Para a mensagem passar bem a produção é clara e bem conseguida, tornando a experiência auditiva mais cristalina... mas para se pode ouvir correctamente a barulhenta máquina!

Não sendo um álbum conceptual, os temas das músicas apresentam semelhanças, sendo que a originalidade das letras não deixa que estas se tornem de forma alguma menos interessantes.
O álbum apresenta um autêntico desfilar de músicas frenéticas e massacrantes, como é o caso da trilogia, Buraco Negro, Fantasma e Desgraçado De Bordo, esta última que para além de ser uma das mais bem conseguídas faixas do álbum apresenta um tom niilista que se saúda:

Desgraçado de bordo
Recusou as oferendas
Recusou a moral
Recusou a vida


Outro dos momentos altos do álbum está no genial Frio, com os riffs melódicos e uma áurea misteriosa, bem como a genial letra fazem desta faixa uma das melhores músicas de toda a carreira de Bizarra. Ao vivo, a música assume uma genialidade ainda maior, com a encenação teatral de Rui Sidónio e BJ, resultando sempre num dos momentos alto dos concertos.

O tom de raiva em Pedinte (ao qual "só os malditos acodem") integra-se com um sentimento quasi-misantrópico que a música apresenta. Apesar de mais experimental mantém a grande intensidade. Numa linha lírica paralela temos Moscas, com mais putrefacção ainda. A letra revela sentimentos de ódio para com o próprio ser (numa possível alegoria entre moscas e o próprio homem) e algumas das suas características...

O meu desgosto é profundo
Sinto-me a mais neste mundo
O meu cheiro é nojento
E no meu ventre o lamento


Após mais um momento de respiração em Tráfico De Orgãos, segue-se a melhor música do álbum. Coisa Morta trata-se de uma faixa com ritmos palpitantes, letra macabra e acima de tudo de grande genialidade. O refrão assume o papel de um constante martelar, não só pela voz, mas através da máquina infernal que faz questão de demonstrar toda a sua fúria.

Coisa morta
Lembras-me quem sou
Coisa morta
Lembras-me o que sou


Por último, destaque para Mordo e a faixa-título, três minutos sem qualquer contemplação e de puro ódio (e neste caso no sentido mais literal possível) e de com o ritmo a acelerar consideravelmente.

O folgo é pouco no fim dos quase quarenta e cinco minutos, sobrando o sangue que jorra dos ouvidos de quem aguentou o massacre sonoro de Ódio.

Conclusão
Bizarra Locomotiva e este álbum em particular, não são de todo uma acessíveis. No espectro do Industrial a banda apresenta elementos violentos e poderosos (a associação ao Metal é inevitável), sendo que por outro lado os elementos electrónicos pode afastar quem está mais habituado a sonoridades pesadas. Como se não bastasse as vozes guturais não são propriamente dos elementos mais fáceis de assimilar...

Mas são precisamente estas características únicas que tornam a banda numa das mais criativas, inventivas e geniais produções portuguesas. Ódio dá uma prova de maturidade e força (odiosa saiba-se!) e prova que o estatuto de melhor banda nacional do estilo é inegável.

PhiLiz

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Mortifera - Vastiia Tenebrd Mortifera

Mortifera - Vastiia Tenebrd Mortifera

Introdução
Bem antes de todo o barulho feito à volta de alguns projectos da mente criativa que se dá a conhecer como Neige (falo claro de Peste Noire, Amesoeurs e claro, Alcest), a junção de esforços entre duas das mais proeminentes figuras do Black Metal francês pós-LLN (embora Noktu tenha uma pequena conexão com este último movimento) resultou numa obra-prima melancólica, depressiva e incomensuravelmente bela.

Ao contrário dos já mencionados projectos ambientais de Neige, ou das participações de Noktu em álbuns mais virados para o Black Metal tradicional (a malograda colaboração luso-francesa de Genocide Kommando ou Gestapo 666), este álbum de Mortifera tem parecenças enormes com o principal projecto de Noktu, isto é, Celestia. Aliás, a última música é, inclusive uma cover de Celestia. Musicalmente as parecenças são mais que muitas, mas Mortifera surge menos raw e talvez um pouco menos agressivo, sendo mais melancólico e genuinamente triste.

Tratando-se desde logo e um álbum de Black Metal, 'Vastiia Tenebrd Mortifera' surge como um álbum que passa de maneira genial toda a áurea de mistério, tristeza e desesperante que está bem patente nos poemas de um dos mais brilhantes poetas franceses de sempre, falo de Charles Baudelaire. As duas melhores faixas são de resto a "banda sonora" de dois excertos das famosas "Fleurs Du Mal", a mais conhecida obra de Baudelaire.

Este é apenas mais um factor de interesse, num álbum onde tudo se movimenta de forma brilhante entre o Black Metal, a literatura, o mistério e acima de tudo a melancolia.

http://img258.imageshack.us/img258/7056/mortiferavastiiatenebrdvl6.jpg

Alinhamento
01 - Fbrahgments
02 - Le Revenant
03 - A Last Breath Before Extinction
04 - Epilogue D'Une Existence De Cryssthal
05 - Ciel Brouille
06 - Abstrbve Negabvtiyon Rebssurectyion
07 - Aux Confins Des Tenebrss
08 - Fruits Of A Tragic End

Ano 2004

Editora GoatowaRex

Faixa Favorita 05 - Ciel Brouille

Género (Depressive) Black Metal

País França

Banda
Neige - Baixo, Bateria, Guitarra, Voz
Sir Noktu Geiistmortt - Baixo, Bateria, Guitarra, Voz



Review
'Vastiia Tenebrd Mortifera' é uma das mais geniais obras de Black Metal que alguma vez ouvi. Isto é preciso ficar bem claro, uma vez que influencia toda a minha visão global do álbum.

A dupla Neige/Noktu exibem toda um conjunto de emoções num quadro negro e sem qualquer tonalidade que pinte a esperança. O sentimento melancólico assume uma importância central neste álbum de Mortifera, no sentido que ele é elo de ligação dos dois maiores pólos que envolve o álbum: Literatura e Black Metal. Tudo o que sai dos instrumentos emana tristeza, melancolia, ódio, desespero, somando tudo: sentimento. É um álbum vincado por estes mesmos factores e precisamente por este motivo se torna uma obra que toca aspectos que são raramente abordados, mesmo num género como o Black Metal.

Como não podia deixar de ser, a voz é o elemento mais fácil de entender enquanto forma de expressão. Fá-lo de maneira brilhante: em gutural, mas com autênticos gritos de dor e angústia. A tortura que mergulha tudo na total tristeza e desolação. Ambos os compositores do álbum assumem a posição de vocalista.
A voz em Mortifera é um dos elementos mais singulares do projecto. Ora cheia de ódio, ora na representação quase dramática dos poemas de Boudelaire - Ciel Brouille, clímax do álbum é a representação máxima deste aspecto -, a voz trata-se de algo quase persecutório, na eterna lembrança da dor e melancolia que o álbum carrega.

Acompanhando isto, temos as guitarras, num movimento conjunto com as vocalizações. Guitarras com distorção acentuada, com alguns momentos acústicos (ou semi-acústicos pelo menos) e riffs dolorosos, que resultam em espasmos sonoros da maior beleza.
É de resto este, um dos pontos de interesse do álbum a nível emocional, porque apesar da melancolia dominante, Mortifera, invade acima de tudo com o belo, numa simbiose brilhante que nos poderá levar a concluir, que em 'Vastiia Tenebrd Mortifera' se leva ao expoente máximo, tudo o que é tristemente belo.

Incrivelmente, o baixo, em consonância com tudo o resto já mencionado, representa um instrumento de negritude. Não raras vezes surge de forma importante como em Le Revenant ou A Last Breath Before Extinction. Quanto à bateria, é (quase) sempre executada a mid-tempo, tal como de resto, todo o álbum se apresenta.

Falando de todas as enormes faixas aqui presentes é preciso destacar que não existe uma única abaixo do nível altíssimo do álbum, mas há momentos memoráveis e que pela sua beleza imensa abrilhantam ainda mais este enorme trabalho. Abrimos com Fbrahgments, uma introdução instrumental, mas já bastante dentro daquilo que o álbum oferece, ou seja, uma áurea negra e melancólica.

Após este momento, somos presentados com Le Revenant, a primeira grande faixa do álbum. Baseado no poema de Boudelaire com o mesmo nome (que significa "O Fantasma" e está presente em "Les Fleurs Du Mal"), apresenta-nos uma combinação de riffs distorcidos e melancólicos (o primeiro é especialmente soturno), juntamente com um envolvimento misterioso e uma lírica tortuosamente interpretada, mantendo toda a sua enigmática beleza. Aqui podem encontrar a tradução e deixo igualmente o poema original e por inteiro em Francês:

Comme les anges à l'œil fauve,
Je reviendrai dans ton alcôve
Et vers toi glisserai sans bruit
Avec les ombres de la nuit,

Et je te donnerai, ma brune,
Des baisers froids comme la lune
Et des caresses de serpent
Autour d'une fosse rampant.

Quand viendra le matin livide,
Tu trouveras ma place vide,
Où jusqu'au soir il fera froid.

Comme d'autres par la tendresse,
Sur ta vie et sur ta jeunesse,
Moi, je veux régner par l'effroi.


Partimos então para um momento completamente suicida, refiro-me à terceira faixa, A Last Breath Before Extinction. O gutural é mais profundo, com uma dor mais visceral a ser representada, mas os riffs continuam na sua toada melancólica e sufocantemente triste. A força da composição é apenas interrompida perto por um momento acústico, onde os lamentos de uma alma torturada e prestes a extinguir-se dão um final apropriado a tão angustiante existência.

Seguirmos com um momento acústico e instrumental em Epilogue D'Une Existence De Cryssthal, antes da opus das opus do álbum: Ciel Brouille (que se pode traduzir de grosso modo em "Céu Turbulento"). A segunda e última faixa baseada num poema de Boudelaire, é o momento mais singular de todo o álbum e também o mais brilhante. Desde o primeiro riff melancólico, acompanhado por todos os outros instrumentos, até à voz que se apresenta mais triste do que nunca, tudo é perfeito. Uma interpretação negra, muito negra, de um interrogativo e enigmático poema do autor francês. A última secção da música assume tons quase de loucura... com a voz a transformar-se apenas num meio transmissor de toda a explosão de emoções que dela emana. Brilhante e belo, muito belo. Vale a pena constatar a beleza lírica da música, seja na sua versão traduzida para Inglês ou na versão original que deixo também aqui:

On dirait ton regard d'une vapeur couvert ;
Ton œil mystérieux, — est-il bleu, gris ou vert ? —
Alternativement tendre, doux et cruel,
Réfléchit l'indolence et la pâleur du ciel.

Tu rappelles ces jours blancs, tièdes et voilés,
Qui font se fondre en pleurs les cœurs ensorcelés,
Quand, agités d'un mal inconnu qui les tord,
Les nerfs trop éveillés raillent l'esprit qui dort.

Tu ressembles parfois à ces beaux horizons
Qu'allument les soleils des brumeuses saisons ;
— Comme tu resplendis, paysage mouillé
Qu'enflamment les rayons tombant d'un ciel brouillé !

O femme dangereuse ! ô séduisants climats !
Adorerai-je aussi ta neige et vos frimas,
Et saurai-je tirer de l'implacable hiver
Des plaisirs plus aigus que la glace et le fer ?


Após este momento tão extraordinário, a última parte do álbum é igualmente bela. Abstrbve Negabvtiyon Rebssurectyion e Aux Confins Des Tenebrss são duas músicas brilhantes, cada uma de forma diferente. Enquanto que a primeira, das faixas mencionadas, é uma dolorosa passagem, com um gutural sofredor por entre o som depressivo, a penúltima faixa do álbum apresenta-se como uma peça acústica, com a sua quietude quebrada apenas pelos gritos de dor no seu final.

Esta obra-prima termina com a cover de Celestia, fiel ao original, mas numa toada mais lenta e com os vocais mais condizentes com este projecto. O mesmo será dizer que é mais um momento negro e triste, tal como é de resto todo o clima do álbum.

Conclusão
Vastiia Tenebrd Mortifera representa uma das mais brilhantes obras de Black Metal do século XXI. Dos climas mais extraordinariamente melancólicos, com uma atmosfera intensa do género e acima de tudo, com uma genial interpretação de sentimentos por parte dos membros do projecto, sendo que neste último aspecto dificilmente se encontra álbum tão magnífico.

Não se deverá deixar que os últimos projectos de Neige evoquem uma percepção antecipada do que aqui se encontra. Trata-se de um álbum triste e melancólico, mas acima de tudo, uma obra-prima de Black Metal.

PhiLiz

domingo, 19 de outubro de 2008

Só acredito



A minha presença aqui tem se tornado ténue, ligeira como uma tímida brisa matinal. Dentro de mim pressinto o porquê. A razão pela qual é tudo tão difuso. As árvores e a própria terra dissolvem-se no meu olhar como que a fazerem-me sentir a realidade.

O facto é que ainda não acredito, é tudo tão distante, tão doce e gentil que não consigo evitar entregá-lo a alguma mitologia perdida com pouco interesse, não é sequer para mim. Eu ainda estou longe, ou penso que estou longe. Se calhar a única forma de me sentir confortável é pensar isso mesmo. A distância desresponsabiliza-me, afasta-me e protege-me de desaventuras desnecessárias. Assim posso continuar a falar alegramente das minhas metas e sonhos, o tanto que me falta mas o que estou disposto a dar e a render por eles. Entretanto pego numa chávena de chá verde, leio um outro livro de história ou filosófo sobre o Japão moderno. São essas pequenas coisas que me faziam sorrir para o futuro... "Quando ele chegar farei isto ou aquilo. Irei aqui ou acolá".

Não consigo evitar ver tudo assim até ao momento que entrar no avião, quiçá chegar a Tokyo. É algo que sempre fiz. O horizonte sempre esteve lá para me confortar. Quer nas alturas em que desesperava quer em outras nas quais sonhava mais longe. Agora a terra torna-se plana, o horizonte desvanece-se. Era isso que me queriam mostrar as tais arvores e o solo da minha Pátria.
Entro agora num novo caminho, com novos desafios, alegrias e tristezas e no entanto nunca esquecerei as pedras que calcorreei, o próprio cheiro da poeira já faz e sempre fará parte de mim.

Diogo Santos aka Kyon

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Fios de Desespero

O pouco de mim que sobra, aqueles murmúrios do que fui silenciam-se pouco a pouco. É como que o desligar de um motor mecânico poderoso. Ao fulgor inicial segue-se um vazio silêncio. Perguntam-se as gentes, para onde foi tal poder? Tal vontade de existir? É simples e complexo, foi sugado pela própria existência. Um buraco negro invisível violou a minha essência. Devagar e sub-repticiamente sugou-me o bem estar… depois a esperança… lentamente arrancou-me a vontade e agora, estripa-me do meu bem mais valioso, a minha razão a qual guardo no fundo da alma.

No entanto não se pode contrariar esta cruel gravidade existencial, ela é pura e simplesmente. Não se compadece de ninguém, sou simplesmente uma circunstância no local errado. Um infeliz que alegre e inconscientemente sonhava um futuro mais brilhante. Sonhava saber mais, sonhava viver mais, sonhava amar mais. Se mereço ou não tudo isto, não sei. No fundo nem é isso que está em causa, ninguém pode ver nos meus estilhaços dignidade suficiente para sequer se questionarem.

Então, no meio do vácuo olho para o meu passado. Para os erros que fiz, para os que poderia ter feito. Olho para as coisas em que me orgulho e para os momentos que passei com os meus mais queridos amigos. Vejo-me a mim a sorrir, feliz e íntegro. Ciente do que sou e do que quero. Não posso deixar de desesperar face a essa imagem. Tão contrastante ela é com o eu de hoje. Esmagado e ridículo. É o fim de um velho e nobre império, que nada mais tem agora a não ser existência física.

Cruelmente antes de cessar poderá ver e tocar o que o futuro lhe teria reservado. Quer no saber, quer no viver, quer no amor. No fim tudo o que fica são silenciosos gritantes fios de desespero que se acumulam numa malha já apertada.


Diogo Santos aka Kyon

Dreamed Exhaustion

Andando ao longo da estrada vi muitas coisas, vi cores, vi sabores, até talvez ilusões… mas acima de tudo vi o meu futuro. Vi um mundo no qual me sentiria confortável e feliz. Então, naturalmente, persegui essa imagem persistentemente. Não interessava a sede nem a fome, não via nada mais a não ser o mecânico movimento dos meus passos. Um, dois, um, dois. Aquele sonho que procurava tocar ia se tornando mais sólido, os seus contornos iam-se especificando. Um sorriso foi então depositado nos meus lábios. Era isto mesmo, era aqui que queria chegar, era isto que seria o propósito da minha existência. A sua agora solidez reconfortou a minha alma (e pés cansados diga-se), levantei a cabeça.
Estava tudo ali, tudo ao meu alcance só tinha de fazer um último e derradeiro esforço.

Então tudo se tornou surreal, a minha cabeça começou-me a pesar, os braços e pernas não me obedeciam. A minha própria razão, baluarte da minha existência jazia em ruínas. As lágrimas que eu queria chorar com o corpo jazido na poeira não saiam. Até os meus sentimentos me roubavam, olhei desesperado em volta. Que iria eu fazer? Tão perto e tão longe? Arrastei-me então decadentemente milímetro a milímetro, mesmo sabendo que não chegaria ao meu destino. Tudo se estilhaçou, e eu deixei-me esvanecer no nada que sou… Consciente unicamente daquilo que não atingi.

Diogo Santos aka Kyon 17 de Outubro de 2008

domingo, 5 de outubro de 2008

Mensagem ao Leitor





Como muitos de vocês saberão (e os outros passam a saber) vou concretizar o meu sonho de visitar o Japão. Dia 20 às 12.25 entrarei no avião que me levará até Frankfurt, e de lá finalmente para Tokyo. Fico extremamente feliz que os meus esforços para ser o seleccionado deste ano na iniciativa da embaixada tenham sido recompensados e espero poder corresponder às expectativas das pessoas que em mim depositaram esta oportunidade .

É certo que apesar de não negar o mérito que tive no processo, muitas pessoas ajudaram-me ao longo da extenuante estrada que culminou na minha selecção. Desde já deixo aqui o agradecimento a essas pessoas. Thierry, Professora Toda, Pedro, Ana, Tiago e perdoem-me se me estou a esquecer de alguém, muito obrigado. No momento em que pela primeira vez pisar solo japonês prometo que vos carregarei no coração.

Impossível para mim de descrever o quão importante será esta viagem para alguém que tem atravessado um momento extremamente sombrio, diria até obscuro. Com muito pesar digo que o meu estado de espírito e estado de saúde deixam um pouco a desejar. Por isso mesmo, a esperança que tudo isto faz nascer em mim não tem sequer classificação possível. É como que uma benção terrena no limiar da divinização.

No entanto, não posso deixar de frisar a angústia que sinto por não poder percepcionar tudo o que que me percorrerá no meu estado mais puro, ou seja no auge da minha capacidade intelectual. Sinto que perderei coisas que nunca recuperarei na vida, coisas que me estão a ser roubadas de forma injusta e tenebrosa. A primeira vez que consigo tocar o meu destino... tinha todo o direito que ela fosse o mais brilhante e inultrapassável que pudesse imaginar. Apesar de tudo vejo-me privado... Enfim, repito para mim que podem ser estes próximos quinze dias que marcarão a escalada da minha recuperação, talvez a vida me tenha guardado uma surpresa...

Convém dizer que o Japão transmite as suas próprias noções e vicissitudes por veículos estranhos aos usuais mecanismos que conhecemos. O suporte intelectual é ultrapassado muitas vezes pelo próprio beber da representação essencial pela alma. Essa vertente nada deste mundo a pode minimizar, ela vale por si própria e é assim que a abraçarei. Ou seja, a essência de tudo não a perderei... aconteça o que acontecer.

Bom, este post já se alonga mais do que quereria por isso agora vou directo ao assunto, o propósito último de toda esta conversa é referir que nos dez dias que permanecerei no país do sol nascente parilharei aquilo que viverei e sentirei com as palavras que escrever aqui. Ao longo de dez dias tentarei que essas mesmas palavras sejam mecanismos simbólicos fortes o suficiente para fazer tudo transbordar no estado mais puro possível. Espero que apreciem o que aqui relatar e sejam envolvidos o mais possível terrena e espiritualmente no meu testemunho.

Obrigado

Diogo Santos aka Kyon

PS:

Stop Go Tokyo