segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Densha Otoko







Densha Otoko (série)




Network: Fuji Television


Episódios: 13


Género: Drama, Comédia, Romance



Recensão Crítica:

“Densha Otoko is the story of a “train man” who fell in love with a girl”; esta fórmula introdutória será prontamente reconhecida por qualquer japonês, e sem surpresa. Trata-se de uma das mais enternecedoras histórias do Japão contemporâneo.

A série “Densha Otoko”, literalmente Train Man, deu forma cinematográfica a um mito urbano alegadamente passado na cidade de Tóquio e divulgado originalmente na internet. Um Otaku (ver nota de rodapé 1) tímido e sem mínimas aptidões sociais defende uma mulher perante um bêbado no metro, uma mulher que usualmente se sentiria repugnada com a sua presença mas, derivado do seu acto de coragem, lhe agradece enviando-lhe um presente. Sem saber o que fazer, o protagonista pede ajuda num canal na internet. A partir desse momento decorre uma exploração construtiva, por vezes divertida, e em última análise humana desta sub-cultura, mostrando ao público as restrições internas e dilema que o personagem principal enfrenta face a uma situação a qual nunca esperou viver.

Apesar das diferentes formas que diversos realizadores e autores pensaram a história existem determinados “factos” que permanecem inalterados. Os pontos em comum são os que provém do log original disponibilizado no fórum e que tornam a história, seja qual for o toque do autor, apelativa e tocante; com facilidade nos encontramos a imaginar e pensar como terão ocorrido os eventos originais, como terão sido sentidos e vividos na realidade. É essa a verdadeira virtude da obra, estimular a nossa percepção quanto ao amor, lealdade, honestidade e esperança. Esses sentimentos são notoriamente transbordantes; é impossível não exprimir um sorriso após notar o quão importante se torna aquele suporte virtual para o personagem principal. O calor humano que provém do mesmo sustenta-o perante sucessos e fracassos tornando óbvios fortes vínculos afectivos entre aquelas pessoas que partilham a mesma realidade. Não é difícil para alguém com mínima consciência do que é Akihabara (ver nota de rodapé 2) imaginar as desconfortáveis circunstâncias que um “otaku” poderá enfrentar fora da sua esfera social. Quem não tem consciência do que se trata percebê-lo-á rapidamente. A série tem em atenção a explicitação dos conceitos que serão provavelmente estranhos aqueles que não estão acostumados ao referido contexto antropológico.

Convém frisar que tenho algumas reservas quanto à forma como a personagem feminina central foi encarada. O realizador decidiu-se por explorar a sua vida pessoal e expor as circunstâncias que levaram à aproximação ao protagonista. O facto de acompanharmos as suas desventuras e termos consciência de que ela começa a sentir-se protegida e querida junto do mesmo destrói um pouco a partilha dos medos e angústias do personagem principal. Sendo assim já não há uma tão forte sensação de pertença ao seu universo pessoal, temos assim, para o espectador, uma abordagem bicéfala à serie que minimiza a mensagem da mesma.

As personagens do fórum, por outro lado, foram apresentadas e desenvolvidas de forma extremamente inovadora e criativa. Cada uma delas tem uma estrutura pessoal própria, e usualmente, uma excentricidade pessoal que se denota pelas suas habitações, comportamentos e frases chave. Consequentemente, cada um tem maneiras diferentes de apoiar e encorajar o perdido “densha”, é com a sua ajuda que ele se expressa a todos os níveis, colhendo coragem para sair da sua bolsa existencial original. Troca de corte de cabelo, veste-se com mais bom senso, encontra restaurantes agradáveis e, mais importante que tudo, aprende a comunicar com o sexo oposto ganhando progressivamente confiança. Todos se tornam uma presença fulcral para ele sendo uma comunidade por si só. Inicialmente achei que inventar “side stories” com esses mesmos personagens era deslocado e irrisório, no entanto a forma como as mesmas são elaboradas em redor a significâncias do enredo original levaram-me a mudar de opinião. Elas dão mais cor à acção e fazem-nos perceber a importância que Densha acaba por ter para eles, inspirando-os.

O desenvolver da vida profissional do protagonista, sendo uma escolha não muito importante, acabou por dar à série uma das personagens mais controversas e interessantes. Jinkama, uma irritadiça e ameaçadora colega de trabalho que usa o seu charme e sex appeal para chegar onde quer. É brilhante a forma como muda totalmente de “pele” e manipula a realidade à sua volta. Apesar de ser bastante perniciosa não podemos evitar simpatizar com ela; isto pela forma como expressa a sua personalidade e, claro, pela relação que acaba por ter com o personagem principal.

De resto, a família do personagem e os restantes personagens provenientes da sua vida “pré-encontro” acabam por mudar sua percepção da sua imagem; essa mudança faz nos acompanhar o reconhecer das suas virtudes e a monstruosa cruzada que acabou por protagonizar.
No que toca à escolha dos actores só posso dizer que não poderia ser mais apropriada, são expressivos, profissionais e estimulantes. Fazem a série fluida e constantemente tocante ou risível. A forma como Akihabara é retratada visualmente denota-se esclarecedora e pormenores como a anime favorita do protagonista, ou o clip introdutório estão bem conseguidos e são coerentes com o todo.

Em conclusão, Densha Otoko é uma série bem trabalhada, que expõe com sucesso a história na qual foi baseada. Mantêm-se-lhe fiel apesar da elaboração artificializada pelos realizadores. Todos os elementos, excepção talvez à abordagem feita à protagonista feminina, acabam por dar mais naturalidade ao resultado final e exponenciar a carga emocional original tornando a nossa envolvência inevitável.
1 - Otaku: termo japonês que descreve indivíduos com um interesse obsessivo, normalmente por anime, manga ou bens de consumo relacionados.
2 - Akihabara: bairro de Tóquio com um importante comércio de bens electrónicos, adicionalmente é a "meca" da sub cultura otaku. Tem numerosas lojas relativas a manga, anime, jogos, maid cafes e afins.

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