terça-feira, 24 de novembro de 2009

Porque não...

Contemplando a pouca ética que ainda compunha o seu ser disforme, o Sujeito explora a sua própria sexualidade, numa desesperada tentativa de alcançar o prazer súbdito que lhe foge, não pelo ardor carnal mas pelo outro, um que não pode tocar, que lhe foge.

Tudo à sua volta perde o tom, o sabor amargo da tonalidade cinzenta, outrora colorida, cresce-lhe na boca, traças de olhos grandes saem-lhe da boca, levando o pouco de ser que lhe restava, transportando esse pedaço de esterco inútil para uma qualquer vala comum, abandonada.

Batem à porta, raspam a porta, rezam a porta, beliscam a porta, a porta é uma entidade. Cresce-lhe o sexo. Continuam a pedir por ele, a porta não se cala, chama, chama. Num canto inferiorizado o Sujeito pede por decência, pede que liguem a luz, que o deixem ver-se ao espelho uma última vez. Um qualquer ser grotesco que se lhe apresente do outro lado tanto faz. Ele quer sentir, não...ver que ainda lá está, que a carne efémera e podre ainda se mantém, que o Ser do Sujeito não se perde nos pedaços de vidro espalhados no quarto. Uma arma...uma arma.

Deixem a porta em paz! Grita o Sujeito!

Não quer saber o que jaz para além dela, se o seu sonho já morreu, a realidade permanece, não a perderá por restos de esterco fantasioso. Deixem-lhe o sexo, ele que fique por aí.

Pega na arma! Calem a porta! Acabem! Só me vejo, não gosto do reflexo, é demasiado real, e para além disso...

terça-feira, 14 de abril de 2009

(Re)Aparecimento

Depois de uma crise existencial de dimensões nunca vistas estar a começar a ver situações de acalmia e melhoria crescente gostaria de partilhar um texto escrito no auge do meu desespero.

Dei de caras com ele ainda há uns dias e acho que descreve bastante bem os conceitos de insegurança e fragilidade humanas.

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Emaranhados

Ao silêncio existencial enganador vão se juntando ruídos inaudíveis, a sua presença é puramente intuitiva, mas no entanto indelével. Acumulam-se me no corpo tentando toldar a minha existência e emancipação. A sua presença desconfortável é um segredo do qual nem eu tenho certeza, a sua forma é também uma incógnita. Suspeito que se reúnem regularmente e que não são muito afectos à pessoa que sou; imagino-os na minha escuridão cerebral a congeminar estratagemas sombrios de volta de uma luz doente e amarela. Às vezes vejo os seus sorrisos sádicos nas minhas dificuldades e inseguranças.
Estes pequenos seres preocupam-se com coisas como o estilhaçar da esperança, o engano e a confusão. Riem-se dos meus esforços, medos e ambições, riem-se do quão indefeso sou. Posso jurar que os oiço, a esses fantasmas inaudíveis, prontos sempre a mais um dia calcorrear os meus sentidos sabotando aqui e raspando acolá. Mais do que os danos que causam, é a incerteza da presença da sua arte ou mesmo deles que me confunde e, então, isso é para eles a subtileza última. O digladiar da minha mente excita-os num frenesim psicadélico, é sinal de que as suas artimanhas me estão a ocupar e a cansar. Eles sabem: a forma como não existindo existem fazendo danos que existem mas não existem ou talvez existam mete-me medo, e eu não o suporto. Perceberam? Eu também não.
Acima de tudo tenho medo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

E tudo volta ao mesmo

A controvérsia gerada pelas palavras colocadas absurdamente em segmentos de linhas de quadrados registados por uns computadores que se fixam na característica essencial do pluralismo dos herbívoros que se tomam por seres humanos que se fixam no solo com uma raíz alimentada por abelhas no momento em que se empurram mutuamente para clarificar o seu espaço para com o outro ser de disforme músculo e osso de socialismo utópico de um algures frigorífico cheio de carne por fazer da estrada das avestruzes que saltam de helicóptero em helicóptero para terem a certeza que a sua legitimidade democrática é suficiente para reinarem na sua monarquia de pastéis de nata usados para a produção em massa de bebés e de fraldas usadas em homens adultos que tencionam procurar o que lhes dizem para procurar simplesmente porque a controvérsia gerada pelas palavras colocadas absurdamente em segmentos de linhas de quadrados registados por uns computadores que se fixam na característica essencial do pluralismo dos herbívors que se tomam por seres humanos que se fixam no solo com uma raíz alimentada por abelhas no momento em que se empurram mutuamente para clarificar o seu espaço para com o outro ser de disforme músculo e osso de socialismo utópico de um algures frigorífico cheio de carne por fazer da estrada das avestruzes que saltam de helicóptero em helicóptero para terem a certeza que a sua legitimidade democrática é suficiente para reinarem na sua monarquia de pastéis de nata usados para a produção em massa de bebés e de fraldas usadas em homens adultos que tencionam procurar o que lhes dizem para procurar simplesmente porque a....

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Conversa casual

Vou andando tranquilamente pela rua, o tempo está cinzento, mas não me importa porque tenho um objectivo. Devo seguir a rua até ao seu fim e depois virar à esquerda. A senhora simpática na tenda disse-me também que depois devo apanhar o elevador para o 5ºE, não esquecendo de dar gorjeta ao porteiro que é um pouco susceptível. Por fim devo entrar na sala do senhor de óculos, pois ele vai me indicar para onde devo seguir.
Segundo me dizem devo seguir para onde irão falar comigo e apontar-me uns quantos caminhos no mapa, ilustrados cada um com a sua cor. Verde, amarelo, azul e até laranja segundo me consta. Nesse momento e só nesse momento é que devo escolher o caminho que quero, mas nessa altura dizem-me que é um caminho perigoso e que se seguir o outro acolá terei a oportunidade de andar numa bonita estrada, com um bonito descapotável, ao mesmo tempo que um notário segue-me no banco de trás. Regista tudo o que penso.

Olho para ele, mantém-se quase imóvel, de chapéu preto, olhos vazios e uma face rígida. Veste um fato preto e uma camisa branca. O mais comum possível. Neste momento aproximo-me da curva indicada a laranja no mapa, segundo me avisaram devo tomar aquele caminho para um futuro risonho e segundo os padrões da vivência em sociedade.
Em vez disso decido virar para o outro lado, o notário abre ligeiramente os olhos e solta um sorriso... pois a estrada continua direita e confortável, o descapotável continua com bastante combústivel e o notário parece estar a lidar com esta minha decisão como se ela fosse habitual. E aí percebo. Era exactamente esta a sua ideia desde o início. De facto estes dois caminhos apenas existem porque querem que exista. Existe quem vá imediatamente pelo caminho laranja e quem tente mudar, mas de facto não consegue mudar, pois essa escolha já foi feita por nós antes. Eu devia desistir agora, mas ainda não é altura para isso. É muito cedo. Não posso desistir agora só porque o raio do notário sorri e o carro anda bem. Por isso saio da estrada e sigo pelo campo e por cima das pedras, o notário pára de rir e começa a escrever mais depressa.

Começo a soltar gargalhadas, a emoção não me deixa parar, começo a acelarar e a aumentar a velocidade, o conta kms já quase não tem por onde ir, o notário escreve, escreve, escreve, muda de página, escreve, escreve, escreve, muda de página e continua assim à mesma velocidade a que eu ando, as árvores passam apenas a manchas verdes e a minha adrenalina não pára de crescer, consigo sentir o sol a sair das nuvens e a bater na minha cara... e o notário não tem sequer tempo para o sentir, que idiota. Não páro de rir na cara dele e sinto-me invencível, convencido e seguro. Até fechar os olhos.

Senhor - Onde pensa que vai?
Eu -Como assim? Quem é você?
Senhor -Onde pensa que vai?
Eu - A lugar nenhum senhor. Apenas vou...
Senhor - A onde?
Eu - Mas... a lugar nenhum senhor.
Senhor -Lugar nenhum? Isso não é nenhum lugar que conheça ou que conste nos mapas. Fale correctamente.
Eu -Mas eu estou a falar correctamente. Você é que não me percebe... onde está o notário?
Senhor -Deveria estar aqui?
Eu -Sim, devia. Ou não...sinceramente não sei.
Senhor - Sim ou não? Não está a fazer muito sentido pois não? Porque quer falar com o notário?
Eu -Eu não quero falar com ele...
Senhor -Mas então porque o procura? É por isso que está de viagem?
Eu -Não o procuro... estou de viagem...porque tenho que ir ao encontro de alguém.
Senhor -Quem?
Eu -Alguém que não é o senhor!
Senhor -Mas só eu é que existo. Que caminho segue você? Porque não virou na curva laranja? Ou na outra ao lado?
Eu -Deveria? Eu virei. Eu acho que virei. Mas estava cá o notário, ele registou tudo ele pode provar que eu virei! Procure-o!
Senhor -Mas se você virou numa dessas curvas não deveria estar aqui pois não? Você sabia que matou uma pessoa?

Eu -Eu? Eu nunca faria tal coisa. Apenas conduzia.
Senhor - Mas matou uma pessoa. Ela está bem morta. A família está devastada.
Eu - Pode ao menos dizer-me como é que a matei? E quem?
Senhor - Nessa ordem? Matou ao vir por aqui. Era um sujeito neutro. Pobre família.
Eu - Matei ao vir por aqui? Mas isso não faz sentido...como é que se mata só por...
Senhor - Caro senhor, a razão porque encaminhamos as pessoas para um certo caminho não é isenta de sentido. É necessário sabermos para que caminho todos os carros seguem, pois precisamos de saber para onde as estradas vão certo? E existe um certo equilíbrio entre todos os que andam nessa estrada. Todos estão a 10 metros do carro à sua frente e do carro atrás de si. isso serve para que não se afectem mutuamente. Todos têm o seu espaço, o espaço calculado por nós. O espaço necessário para continuarem a sua viagem.
Eu - Continuo sem perceber...como é que matei alguém?
Senhor - Veja se perceba então... você saiu do caminho, para algures correcto? Deixando assim um espaço de 20 metros entre o carro atrás de si e o que se encontrava à sua frente. O carro que estava atrás de si tentou equilibrar esse espaço, mas não sabia o que fazer com tanto espaço, começou a acelarar e a travar aleatoriamente, os carros atrás desse começaram a imitá-lo e o sentido de espaço para as suas manobras tornou-se frenético e irrequieto. Subitamente, todos os carros que se encontravam atrás de si confundiram-se e começaram a agir de uma forma violenta uns com os outros, desejando o espaço dos outros. Portanto, o que aconteceu é que um deles foi de encontro a outro que por sua vez se despistou. Embatendo contra uma árvore. O condutor morreu.

Eu - Então eu matei?
Senhor - Então, por mais que você percebesse, até certo ponto, o que estava a fazer, aqueles que iam atrás de si não estavam preparados para a sua mudança brusca. Você danificou todo o sentido e tivemos sorte em só ter ocorrido uma morte.
Eu - Mas isso não faz sentido.
Senhor - Acredite... faz todo o sentido.
Eu -E como vai a estrada agora?
Senhor - Já a equilibrámos, agora o espaço é de 11 metros entre os carros.
Eu - Por mim?
Senhor - Não pense demasiado nisso.
Eu -No que deverei pensar então? Você diz-me que mudei algo.
Senhor - Digo-lhe que matou uma pessoa. Compensa?
Eu - Como posso saber... qual é o valor de uma pessoa?
Senhor - Depende...
Eu - Como depende? Uma pessoa é uma pessoa.
Senhor - Para alguns... tenho que ir andando. Perceba uma coisa, você matou uma pessoa porque decidiu ir contra algo que foi programado por pessoas superiores a si. Não tente perceber o sistema pois o sistem já o percebe a si. E é somente este tipo de relação que deve existir. Podes voltar para a estrada ou podes ficar no nada, que é para onde ias.
Eu -O que há no nada?
Senhor - A ausência de tudo. É perigoso. Nada está planeado. Nada está controlado. É um pandemónio.
Eu - É uma folha branca. Eu vou para lá.
Senhor - Decerto. Tente não pôr a sua estrada muito perto da nossa. Mas também não muito longe, senão teremos problemas. Espero que perceba.
Eu -Porque não...