sábado, 1 de novembro de 2008

HIM - Venus Doom

HIM - Venus Doom

Introdução
Quando se fala na banda finlandesa de Ville Valo é normal pensar-se em estruturas musicais simples, tendencialmente a virar para o Rock mais acessível (sobretudo a partir do já longínquo e genial primeiro álbum). Não que seja um facto totalmente negativo (a própria natureza da banda assim determina este aspecto), mas a verdade é que do ponto de vista musical e se quisermos técnico, HIM não era, de todo, uma banda com grande complexidade (não que isto signifique que os músicos eram insatisfatórios a este nível). Esta ideia saiu reforçada com o lançamento de Dark Light (anterior álbum da banda, de 2005), um trabalho nitidamente mais acessível e Pop, mesmo tendo em conta os anteriores trabalhos da banda e o sucesso que alcançaram.

Logo quando saíram as primeiras informações sobre o álbum, a banda apontava para uma direcção mais pesada e ambiciosa do ponto de vista musical, apenas continuando liricamente a linha poética e alegórica que se encontra presente desde Love Metal. A opção pelos mesmos produtores (Tim Palmer e Hiili Hiilesmaa, este último o mesmo que produziu o primeiro álbum da banda) desse mesmo trabalho (datado de 2003), indicava que iria ser um trabalho mais virado para as guitarras e sons mais pesados do que, pelo menos, o anterior.

Estas indicações confirmam-se na totalidade. Se Dark Light foi uma grande mudança no som de HIM, Venus Doom também o é, mas numa direcção completamente oposta. Os factores que tornam o som imediatamente associável à banda, estão presentes (principalmente a voz), mas há vários elementos novos a qualquer álbum que a banda tenha feito e logo à partida este facto torna o álbum bastante interessante.



Alinhamento
01 - Venus Doom
02 - Love In Cold Blood
03 - Passion's Killing Floor
04 - Kiss Of Dawn
05 - Sleepwalking Past Hope
06 - Dead Lover's Lane
07 - Song Or Suicide
08 - Bleed Well
09 - Cyanide Sun
10 - Love In Cold Blood [Special K Remix] */**
11 - Dead Lovers' Lane [Special C616 Remix] */**
12 - Bleed Well [Acoustic] **

* - Apenas disponível na edição especial do álbum.
** - Apenas disponível na edição limitada do álbum.

Ano 2007

Editora Sire Records

Faixa Favorita 05 - Sleepwalking Past Hope

Género Gothic Rock

País Finlândia

Banda
Emerson Burton (Janne Puurtinen) - Teclados
Gas Lipstick (Mika Karppinen) - Bateria
Linde (Mikko Lindström) - Guitarra
Migé Amour (Mikke Paananen) - Baixo
Ville Valo - Voz



Review
O som de um isqueiro e de seguida um suspiro...
É assim que Ville Valo inicia o álbum, o sexto da banda: em tom catártico. É bem compreensível que assim o seja, após vários acontecimentos traumáticos com o vocalista da banda desde o lançamento de Dark Light no fim de 2005. Os detalhes sobre os mesmos são irrelevantes, mas o impacto que estes tiveram na banda são importantes (como um todo e não como acontecimentos isolados) e ajudam a perceber a toada reinventiva da essência da própria banda que Venus Doom toma.

O que se nota logo à partida no álbum é uma vontade experimental enorme. Seja através das texturas musicais criadas pelas guitarras, as partes instrumentais muito ao jeito de Black Sabbath (influência confessa da banda), as peculiares intromissões do baixo ou ainda as letras, cada vez mais complexas e literárias (uma clara mudança desde os primeiros tempos da banda, onde o amor trágico surgia retratado de forma bem mais directa e simples), a verdade é que todo o álbum é envolto numa atmosfera bastante densa e que tem várias incursões a géneros que a banda nunca explorara antes.

Concretizando, temos um claro piscar de olho a algumas ideias mais progressivas, facto até aqui completamente inédito e corporiza-se sobretudo na não utilização da habitual composição, "verso-refrão-verso-refrão", bem como alguns arranjos que fazem lembrar o estilo. As próprias opções a nível da duração das músicas reflectem algumas influências do estilo.
É ainda possível distinguir alguns elementos bem Doom (este facto é uma das mais surpreendentes revelações de todo o álbum e está bem presente em todo o trabalho) e que tornam o álbum soturno, negro e com uma áurea profunda de melancolia. A música não é, obviamente, tão arrastada ou pesada como a praticada nas bandas mais pesadas do estilo, mas a simbiose suave das características principais do Doom (o refrão neste aspecto é bem literal) com o som mais "rockeiro" da banda, é uma das principais características dos HIM neste álbum.
Ainda neste campo, Black Sabbath surge como influência óbvia. Muitos riffs têm essa influência claramente destacada e os próprios momentos instrumentais que criam a atmosfera negra do álbum são remanescentes da banda de Tony Iommi.

A guitarra assume-se como o motor desta evolução ocorrida em Venus Doom comparativamente com os álbuns anteriores. Linde é um excelente guitarrista, que sempre deu à banda um toque único, mas nunca terá tido uma performance tão central num álbum. Se é certo que uma das principais marcas de HIM era a distorção muito própria dos primeiros trabalhos e esta desapareceu... mais certo ainda é que Linde tem um papel multi-facetado e essencial para a definição das principais ideias do álbum, bem como para os objectivos da banda nesta fase.
Os riffs sujos e bastante "sabbathianos" são a nota dominante no álbum, a par com os inúmeros solos que todas as músicas sem excepção apresentam. Este foi de resto, um caminho pelo qual a banda explicitamente optou, isto é, dar mais destaque e tempo à guitarra nesta proposta.
O trabalho de guitarra apresenta-se assim como um dos principais pontos de interesse do álbum. Muito variado, pesado, como uma distorção diferente da usada antigamente mas ainda assim distinta da maioria do que se faz actualmente, com vibrantes passagens em várias músicas entre muitos outros atractivos que se vão descobrindo a cada audição, pois os pormenores com que Linde vai polvilhando o álbum são muitos e variados.

Instrumentalmente, outro dos factores que se saúda é o regresso do baixo a um papel de relevo num trabalho da banda. Depois de alguns álbuns relegado para segundo plano, Migé volta a apresentar-se como um elemento realmente importante na construção da atmosfera de um álbum de HIM, tal como acontecia nos tempos de Razorblade Romance, não se limitando a "encher". Em consonância com a guitarra, o baixo assume um papel importante para a atmosfera densa e profunda que todo o álbum tem, através de riffs fortes e demarcados. Alguns dos melhores momentos do álbum são quando o baixo e a guitarra como que se interligaram e formam um par sonoro atmosférico e negro que em muito beneficia o sentimento geral de Venus Doom.

A bateria de Gas encontra-se numa toada semelhante a tudo o resto, com diversas variações de estilo em todo o álbum. Esta versatilidade assenta bem a Gas que é um vocalista bastante completo e cheio de ideias musicalmente distintas (é, por exemplo, baterista numa banda de Grindcore), tal como provam os momentos de espantoso relevo e exoticidade (a percussão em Sleepwalking Past Hope é um destes momentos).
Os teclados por outro lado, estão menos presentes do que em Dark Light, não deixando ainda assim, de dar um sentimento épico e melancólico ao trabalho, sobretudo nos momentos onde os instrumentos assumem uma posição privilegiada em relação à voz.

Falando nesta mesma voz, este é sempre um dos principais factores de destaque em álbuns de HIM e sobretudo para os fãs da banda. A voz de Valo apresenta uma expressividade e vulnerabilidade que sempre foram muito apreciadas pelos fãs e por outro lado, criticadas por alguns detractores da banda (embora a maioria das críticas neste campo sejam absurdas demais para uma menção séria).
Em Venus Doom, Ville Valo exibe-se mais maduro e ciente das suas capacidades vocais, variando entre registos mais agudos e graves, com especial destaque para estes últimos, que sempre foram um dos pontos fortes do vocalista de HIM. De resto, a voz acompanha inteiramente toda a temática lírica do álbum. A dualidade entre o amor e a tragédia é analogamente representada pela voz ora mais suave, ora mais soturna de Valo.
Liricamente, o álbum apresenta-se como um dos mais ricos da banda, com a poesia fantasmagórica, mas romântica de Valo, num estilo muito literário e alegórico, sempre tendo o amor trágico como pano de fundo. De resto, o álbum tem de alguma forma um conceito comum a algumas músicas, conceito esse que se prende com uma paixão com o fim trágico no clímax do álbum, Sleepwalking Past Hope.

De facto, as variações entre momentos mais habituais da banda e devaneios "à lá" Doom que estão particularmente presentes em Venus Doom ou Passion's Killing Floor são de resto uma simbiose à qual poderíamos de forma muito redutora chamar Doom Rock e que representa todos os sentimentos que a banda quis por no álbum. A última música do álbum, Cyanide Sun é o exemplo perfeito deste contraste entre peso e delicadeza, tragédia e beleza.
Até a música escolhida para o single, Kiss Of Dawn (música dedicada a um amigo da banda que faleceu pouco depois de finalizadas as gravações de Dark Light) tem na sua versão álbum um momento final muito mais exótico que o habitual na banda, com os teclados a envolverem a música num misto de mistério e erotismo.
Todas as músicas são de resto bem mais pensadas, tendo o álbum menos faixas que o habitual (apenas nove na edição normal) em HIM precisamente para evitar que houvessem músicas a mais o que se materializou em mais faixas de grande qualidade como é o caso da mais acelerada Love In Cold Blood, de um momento muito espiritual em Dead Lover's Lane ou Bleed Well num tom mais Pop e alegre que acaba por ser distinto do resto, mas encaixar-se muito bem no álbum.

Todo o álbum é contrastante: se por um lado temos o peculiar acústico Song Or Suicide com pouco mais de um minuto muito caseiro e introspectivo, temos por outro a opus do álbum, Sleepwalking Past Hope que simboliza tudo o que Venus Doom tenta demonstrar e fá-lo de forma brilhante. A mais longa faixa que a banda produziu até hoje, com mais de dez minutos de duração, é uma épica e negra viagem por um mundo onde várias emoções se cruzam de forma contagiante. Com momentos mais calmos e tristes onde o teclado vai dando um sentimento melancólico à música ou com momentos onde os solos de guitarra dão uma vibração fantasmagórica ao tema, tudo está perfeitamente interligado e redunda numa mensagem desolada, no momento mais pessoal e desolador do álbum. Se necessário fosse resumir o álbum num simples minuto seria o meio de Sleepwalking Past Hope onde a estrofe abaixo citada está inserida, seria o ideal:

I gave up long ago
Painting love with crimson flow
Ran out of blood and hope
So I paint you no more


Simplesmente arrepiante, uma das melhores músicas de HIM em muito tempo.

Quase no fim deixo uma pequena consideração. Este álbum foi "publicitado" como o mais pesado de HIM. Será o mais variado, talvez o mais bem conseguido musicalmente e o mais ambicioso, mas não concordo com o facto de ser o mais pesado. Nesse campo, a estreia da banda com Greatest Lovesongs Vol.666 (que permanece o meu favorito) tem um ambiente que puxa muito mais para o Gothic Metal, factores que se foram transformando ao longo da carreira da banda, inclusive em Venus Doom.
O "Gothic" em HIM está presente mas deixou de ser o principal "ambiente" presente nos álbuns e por outro lado a sonoridade, sendo pesada, é-o doutra forma, mais suja e não de forma tão agressiva e literalmente distorcida como o era no início.
Nenhuma destas considerações belisca a excelente qualidade deste álbum. A banda mudou e essa mudança deu grandes frutos, como é o caso de Venus Doom.

Conclusão
Formados já no longínquo ano de 1991(!), os HIM dão uma prova cabal de reinvenção e ambição musical com Venus Doom, um álbum cheio de grandes surpresas, talvez até mais para aqueles familiarizados com o anterior trabalho da banda.

A sonoridade não é a mesma do início da carreira e alguns (ou algumas...) poderão não compreender a profundidade e a evolução da banda, mas é inegável que a qualidade é a mesma, simplesmente "aplicada" de outra forma e com a maturação que o tempo sempre permite às grandes bandas.

PhiLiz

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