segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Corpus Christii - Tormented Belief

Corpus Christii - Tormented Belief

Introdução
Quando em 2007, Nocturnus Horrendus finalizou a trilogia "Tormented" fechou-se um ciclo que representa provavelmente a melhor sequência de álbuns dentro das criações feitas no Black Metal nacional.

Se quisermos olhar para a evolução temático-filosófica desta mesma trilogia, podemos conceber uma ascensão que começa na mais desesperada das agonias e vai de alguma forma caminhando em direcção à luz do conhecimento e da perfeição (a própria ideologia do mentor de Corpus Christii ajuda a entender a procura por este último aspecto).

O início desta "viagem" deu-se com o mais negro e doentio álbum da trilogia: Tormented Belief. Conforme é dito por Nocturnus Horrendus, o álbum surge na mais conturbada altura da vida do mentor de Corpus Christii e dado o cariz (muito) pessoal do projecto (especialmente nesta trilogia) é natural que todas as perturbações vividas nessa altura por NH sejam transpostas para o álbum... em forma de dolorosas e odiosas ondas sonoras.

Tormented Belief marca igualmente uma viragem no som de CC (que acompanha a própria mudança de conceitos abordados), tornando o som "melancolicamente" mais refinado (embora mantendo a agressão e brutalidade dos trabalhos anteriores), com especial atenção à composição dos temas de forma a conferir aos mesmos uma carga negativa e emocional maior, factor que enriquece (bastante) a atmosfera global do trabalho.



Alinhamento
1. Melancholy Beginning
2. Forgotten Dead Crow
3. My Blood In Your Hands
4. Arising From The Ashes
5. Devouring Your Essence
6. Being As One With Hatred
7. Me, The Hanged One
8. Constant Suffering

Ano 2003

Editora Nightmare Productions

Faixa Favorita 8. Constant Suffering

Género Black Metal

País Portugal

Banda
Nocturnus Horrendus - Baixo, Guitarras & Voz
Necromorbus - Bateria



Review
O cenário de mudança em Tormented Belief começa logo a ser desenhado na própria morfologia da banda no álbum. Pela primeira vez, Corpus Christii tem em estúdio um baterista real (substituindo a habitual drum machine que vinha sendo utilizada nos álbuns anteriores).
O baterista escolhido foi Necromorbus, prolífero músico da cena Black Metal europeia e de reconhecidos (trabalhou, entre outros, com Watain, In Aeternum e Funeral Mist).

Começando precisamente por este (primeiro) factor de mudança, Necromorbus faz um trabalho bastante competente a dar uma furiosa alma rítmica a todo o disco. Os ganhos são por demais evidentes, sobretudo porque a maior variedade do álbum face aos anteriores exige uma melhor articulação entre os momentos mais rápidos e as partes mais lentas, algo que Necromorbus faz com bastante eficácia (vejam-se, a título de exemplo, as mudanças de ritmo em Melancholy Beginning).
Além do mais, um trabalho com uma abordagem tão "humana" (do ponto de vista da exploração dos aspectos mais negativos da espécie, entenda-se), não se compadecia com a limitação maquinal de uma drum machine, pelo que, além de um factor de maior interesse, era algo absolutamente necessário para que a globalidade do álbum não sofresse um duro revés.

No entanto, apesar do bom desempenho de Necromorbus, a principal personalidade do álbum (em toda a plenitude da afirmação) é, naturalmente, Nocturnus Horrendus. É da mente de NH que o álbum toma forma, se concretiza e, claro, se torna verdadeiramente interessante.
Quer sejam os riffs melancólicos, os vocais tresloucados de sofrimento ou a conceptualização da dor em forma de música (as letras aqui desempenham um papel fundamental), a verdade é que Tormented Belief sai directamente do consciente de NH.

Não se trata de um expurgar de polémicas, mas de algo mais (ao contrário do que muitos dizem e disso fazem uma estúpida bandeira para criticar CC). Tormented Belief, pela mão de NH é um cruel exercício misantrópico, onde a criação artística é uma extensão do interior do compositor. Claro que isto acontece inúmeras vezes, em inúmeros álbuns, mas raros são as bandas que conseguem fazê-lo de forma interessante, sem entrar no campo da intransmissibilidade ou de cair nos clichés fáceis que são apanágio das tentativas frustradas do relato de algo tão pessoal.

É evidente que devido a ser um álbum tão particular, ninguém está em condições de compreender totalmente o que é que se pretende transmitir, mas é possível absorver a atmosfera melancólica, o ódio, a agonia e todo um turbilhão de emoções carregadas de negatividade. Nestes aspectos pode, de facto, haver uma identificação (ou dar-se o fenómeno contrário, obviamente) de quem ouve o álbum e surgir um interesse redobrado pelo trabalho. No meu caso, isto é um dos principais factores que me faz ouvir Tormented Belief bastantes vezes...

Claro que tudo isto seria completamente inútil se não fosse suportado musicalmente por um trabalho poderoso e esmagador, como nos é apresentado em Tormented Belief.
Neste campo, de destacar a produção, que não sendo cristalina, constrói um ambiente claustrofóbico e perfeito para o género em questão. Nota-se também aqui uma notória mudança em relação ao trabalho anterior da banda.

Instrumentalmente falando há um destaque natural para as guitarras e consequentemente para os riffs. O trabalho de guitarra do álbum acompanha - obviamente - todo o ambiente geral do álbum, pelo que se podem esperar riffs a transbordar de melancolia, raiva e ódio.
Não sendo um trabalho de guitarra complexo, do ponto de vista técnico (como Rising, por exemplo), a sobreposição de guitarras, a forma como tudo está colocado no sítio certo de forma a tornar a experiência auditiva (ainda) mais agonizante revelam uma das grandes virtudes deste álbum: as qualidades de composição que são por demais evidentes em Tormented Belief.
O clima de mudança (prefiro o termo "mudança" ao termo "evolução" em relação a CC devido ao carácter qualitativo que o segundo muitas vezes encerra) é também evidente, uma vez que o surgimento de várias "camadas" de riffs contrasta claramente com o trabalho mais directo dos álbuns anteriores.

No entanto, e apesar de tudo, há algo que se consegue sobrepor aos aspectos que positivamente destaquei anteriormente: a voz e a lírica de Nocturnus Horrendus.
Claro que a compreensão (ou talvez a assimilação individual que cada um faz) das emoções e dos estados de espírito que os temas (e o álbum em geral) transmitem passam muito pela leitura das letras que NH vai soltando odiosamente durante todo o disco.
Isto é algo que acontece em quase todos os álbuns, no entanto, neste caso (e pela própria produção do álbum que põe em destaque a voz) torna-se em algo único, porque não há um verdadeiro trabalho vocal da parte de Nocturnus... existe sim um soltar animalesco de momentos homicidas, misantrópicos, demoníacos (e provavelmente dos demónios pessoais do vocalista...): uma enorme dimensão de viscerais vocalizações que consubstanciam toda a negritude adjacente a Tormented Belief.

O trabalho vocal é perfeitamente complementado com uma lírica que lida com uma série de sentimentos de obscuros e perversos que vão desde assassínios, puro ódio e a abordagem da morte como a libertação única de todo o sofrimento.
Este último aspecto leva-nos a algo que todo o álbum transmite (não apenas as letras): o desesperante mergulhar na agonia e dor como única forma de existência. Não por um qualquer desejo de auto-flagelação mental, mas porque são estas as emoções que surgem como as mais verdadeiras.
Tal como tudo no álbum, as letras apresentam-se num plano bastante pessoal que apesar de poder ser, à partida, assimilado, torna a sua interpretação sempre muito relativa (ainda mais que o habitual na maioria dos álbuns).
Ainda para mais algumas letras são bastante alegóricas (sobretudo no que diz respeito à expurgação homicida perpetuada pelo "narrador" das letras) o que reforça ainda mais este aspecto.

Todo o álbum surge bastante homogéneo nos seus aspectos mais gerais, mas encerrando a cada tema algo de novo, o que ajuda a manter o interesse ao longo dos quase quarenta e cinco minutos de audição.
No caso de Melancholy Beginning temos bastantes variações de tempo, sejam as velocidades dilacerantes impostas pelas guitarras, ou os riffs mais lentos e melancólicos que suportam os arrepiantes (e singulares) guturais de NH.
Os temas seguintes seguem a mesma linha, embora contendo sempre riffs e variações que não são ouvidas em mais nenhum momento do álbum. Exemplo disto são os riffs inicias de Arising From The Ashes que são um dos destaques do álbum, ou os momentos que de alguma forma relembram Celestia (com as devidas diferenças, claro) em Devouring Your Essence e Being Us One With Hatred.

Há, apesar de tudo o que já foi dito, um momento marcante em Tormented Belief e que mesmo que todo o brilhantismo do trabalho não fosse uma realidade, já faria valer a pena, por si só, ouvir o álbum. Falo do meu tema preferido de Corpus Christii, Constant Suffering.
O tema é de alguma forma mais melódico e não apresenta (na maior parte do tempo) a velocidade que o resto do trabalho tem, mas devido à simbologia do mesmo no álbum, se compreende, aceita e depois de absorvido, se louva. É um tema carregado de emoção... não de um qualquer romantismo fácil, mas de sentimentos perturbados e cruelmente odiosos... um perfeito resumo do que Tormented Belief (e a própria banda nesta sua fase da carreira) representa... e na minha óptica o tema é paradigmático daquilo que o próprio Black Metal deve ser.

Conclusão
Tormented Belief apresenta-se como um disco único na cena portuguesa e sobretudo porque surgiu numa fase em que o Black Metal já não via algo tão refrescante há já algum tempo. Mesmo à esfera global, é uma abordagem original ao próprio género. Mas mais importante do que isso, é um grande álbum, uma prova inegável da qualidade que Corpus Christii atingiu, muito especialmente com fase iniciada neste mesmo trabalho.

Pessoalmente é o meu trabalho preferido de Corpus Christii. Porque é musicalmente um trabalho sublime, porque é um álbum perturbado e coberto de "texturas" que me dizem muito, mas acima de tudo porque a identificação que sinto com Tormented Belief é enorme (os motivos por detrás da mesma não os mencionarei) e por isso mesmo, faz com que seja um trabalho essencial para mim.
Mas mesmo para quem não sinta tal identificação é uma obra sublime de Black Metal.

PhiLiz

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